De acordo com Bock, Furtado e Teixeira, o desenvolvimento infantil pode ser visto a partir de três aspectos: Instrumental, cultural e histórico. Ao tratar do aspecto instrumental, pode-se dizer que se refere à natureza basicamente mediadora das funções psicológicas complexas. Neste aspecto, o ser humano não apenas responde aos estímulos apresentados no ambiente, mas os altera, utilizando as modificações como um instrumento de seu comportamento. Em um aspecto cultural, é possível dizer que estão envolvidos os meios socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento enfrenta, e os instrumentos mentais e físicos de que a criança necessita para aprender a tarefa. Um dos principais instrumentos utilizados é a linguagem, e baseado nisso, Vygotsky baseou toda sua obra na linguagem e sua relação com o pensamento. Na obra de Oliveira, vê-se que “A linguagem humana tem para Vygotsky duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem”. E o aspecto histórico se junta com o cultural, pois os instrumentos que o homem usa, para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram criados e modificados ao longo da história social da civilização.
Para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do homem estão totalmente ligados, de forma que não seria possível separá-los. Desde que nascem, as crianças, têm constante interação com os adultos, pois estes, naturalmente procuram passar para as crianças sua maneira de se relacionar e sua cultura. E é através deste contato com os adultos que os processos psicológicos mais complexos vão tomando forma. Esse processo, no inicio é interpsíquicos, ou seja, partilhado entre pessoas, quando a criança vai crescendo os processos acabam por ser intrapsíquicos, realizado pela própria criança.
Segundo os estudos realizados por Vygotsky, em um primeiro momento os aspectos motores e verbais do comportamento estão misturados. “a fala envolve os elementos referenciais, a conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social. Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a adquirir traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de que está precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os outros com o auxilio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala vai deixando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai adquirindo a função de auto-direção”. (Bock, Furtado e Teixeira. 2005, p.109). Pode-se dizer então que, o desenvolvimento é sustentado pelas interações de um sujeito com o outro, ou melhor, da criança com o adulto.
Segundo Bock, Furtado e Teixeira, “todos os movimentos e expressões verbais da criança, no inicio de sua vida, são importantes, pois afetam o adulto...”, “A fala inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de suas funções psicológicas”.
Para Vygotsky, a aprendizagem sempre inclui relações entre pessoas. Ele defende a idéia de que não há um desenvolvimento pronto e previsto dentro de nós que vai se atualizando conforme o tempo passa. O desenvolvimento é pensado como um processo, onde estão presentes a maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a aprendizagem. Ou seja, o desenvolvimento é um processo que se da de dentro para fora. A partir daí, é possível dizer que entre o desenvolvimento e as possibilidades de aprendizagem há uma estreita relação, a qual é analisada segundo dois eixos. Por um lado, existe um desenvolvimento atual da criança, tal como pode ser avaliado por meio de provas padronizadas ou não, observações, entrevistas etc. por outro lado, existe um desenvolvimento potencial, que pode ser calculado a partir daquilo que a criança é capaz de realizar com a ajuda de um adulto num certo momento, e que realizará sozinha mais tarde. Esta capacidade potencial, mais ou menos atualizável durante uma interação. Dessa maneira, a aprendizagem se torna um fator de desenvolvimento.
Tendo em vista que é a aprendizagem quem determina o desenvolvimento, Vygotsky formula o conceito de zona do desenvolvimento proximal para explicar como há essa influência entre aprendizagem de desenvolvimento. Para clarear esse conceito Vygotsky afirma que devemos considerar dois níveis de desenvolvimento: 1º - o desenvolvimento efetivo, que é o já realizado (zona de desenvolvimento real, e que podemos medir, por exemplo, através de testes psicológicos; 2º - a zona de desenvolvimento potencial, que é o desenvolvimento que está em via de se efetivar, ou seja, que ainda não é parte do repertório próprio da criança, mas está voltado para seu futuro. A ampliação da zona de desenvolvimento potencial ocorre à medida que acontece uma intencionalidade para realizá-la, ou seja, através da aprendizagem. O desenvolvimento só se efetiva no meio social e é nele que a criança realiza a apropriação dos comportamentos humanos. Assim, a aprendizagem na escola ou vida cotidiana, atua no sentido de favorecer o desenvolvimento da zona do desenvolvimento potencial.
O processo de apropriação do conhecimento se dá nas relações reais do sujeito com o mundo. Vygotsky distingue dois tipos de conceitos: o primeiro é o cotidiano e prático, desenvolvidos nas práticas das crianças no cotidiano, nas interações sociais; o segundo é o cientifico, adquiridos por meio de ensino, pelos processos deliberados de instrução escolar.
Segundo Oliveira, Vygotsky propõe três estágios do desenvolvimento genético do pensamento conceitual: O primeiro estágio é denominado formação de conjuntos sincréticos, os objetos são, pelas crianças, agrupados em conjuntos sincréticos baseados em ligações vagas e subjetivas, como a proximidade espacial quando não tem relação com os atributos relevantes para formarem categorias de objetos; O segundo estágio, denominado estágio de pensamento por complexos, no qual as ligações entre os componentes dos objetos não são abstratas e lógicas, mas apenas concretos e factuais, de modo que qualquer conexão factualmente presente pode incluir um elemento em um “complexo”, sem a lógica devida; O terceiro estágio, denominado formação dos conceitos propriamente ditos, porque a criança agrupa os objetos conforme um único atributo, sendo capaz de abstrair características isoladas, da totalidade da experiência concreta. É importante destacar, que o percurso genético para o desenvolvimento conceitual não é linear, pois o terceiro estágio, por exemplo, não aparece necessariamente, após o segundo estágio.
De acordo com Oliveira, “Vygotsky afirma que a questão principal quanto ao processo de formação de conceitos é a questão dos meios pelos quais essa operação é realizada...”, “... a linguagem do grupo cultural onde a criança se desenvolve dirige o processo de formação de conceitos: a trajetória de desenvolvimento de um conceito já está predeterminada pelo significado que a palavra que o designa tem na linguagem dos adultos”.
O processo de formação de conceitos discutidos até então se refere aos conceitos cotidianos ou espontâneos, ou seja, desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança, de suas interações sociais imediatas. Segundo “Oliveira, “Vygotsky distingue esse tipo de conceitos dos chamados” conceitos científicos”, como parte de um sistema organizado de conhecimentos, particularmente relevantes nas sociedades letradas, onde as crianças são submetidas a processos deliberados de instrução escolar”. Porém, apesar disso, os conceitos científicos também passam por um processo de desenvolvimento, ou seja, não são aprendidos em sua forma final. Os conceitos científicos e espontâneos da criança se desenvolvem em direções contrárias: inicialmente afastados, mas, a sua evolução faz com que terminem por se encontrar.
De acordo com a obra de Oliveira, “Essa longa citação de Vygotsky, selecionada por sintetizar claramente sua concepção acerca do desenvolvimento dos conceitos científicos, apresenta as idéias que fundamentam sua posição de que os conceitos científicos, diferentemente dos cotidianos, estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações. Por sua inclusão num sistema e por envolver uma atitude mediada desde o inicio de sua construção, os conceitos científicos implicam uma atitude metacognitiva, isto é, de consciência e controle deliberado por parte do individuo, que domina seu conteúdo no nível de sua definição e de sua relação com outros conceitos”.
A partir das considerações de Vygotsky, pode se considerar outra idéia geral sobre o desenvolvimento é a de que diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico. Segundo Oliveira, “Grupos culturais que não dispõem de ciência como forma de construção de conhecimento não têm, por definição, acesso aos chamados conceitos científicos...”, portanto, as pessoas que fazem parte desses grupos culturais teriam base com conceitos espontâneos, gerados nas situações concretas e suas experiências pessoais. Assim, o processo de formação dessas pessoas estaria ligado apenas ao modo de organização da sua cultura e as atividades do grupo.
Por fim, é necessário ter em mente que, a proposta de Vigotsky é que se intervenha de forma decidida e significativa nos processos de desenvolvimento da criança no sentido de ajudá-la a superar eventuais dificuldades, recuperar possíveis defasagens cognitivas e auxiliá-la a ativar áreas potenciais imediatas de crescimento e desenvolvimento.
Bibliografia:
BOCK, Ana M. B., FURTADO, O., TEIXEIRA, M. de L. T.; Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia. Pág. 98-110. , 13 ed., São Paulo, Saraiva, 2002.
TAILLE, Yves de L., OLIVEIRA, M. K., DANTAS, H., Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. Pág. 23-36, São Paulo, ed. Summus, 1992
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